Pesquisa

Histórico

A primeira etapa da pesquisa começou com o convite do artista plástico e curador Osvaldo Carvalho para criarem um trabalho para a exposição coletiva Crossover, em 2015, na Galeria Monique Paton, situada na Rua do Rosário 38, centro do Rio de Janeiro, local muito próximo ao primeiro mercado de escravos instalado na cidade.

Uma das pinturas que adornam a porta da galeria e que retrata uma mulher escravizada carregando um bebê nas costas à moda africana, tornou-se o ponto de partida da pesquisa. Após pesquisarmos a origem da imagem, constatamos que a pintura era a cópia de um fragmento da litogravura "Negras do Rio do Janeiro”, do artista alemão Johann Moritz Rugendas, e fez parte no livro Voyage pittoresque dans le Brésil (Viagem pitoresca através do Brasil), publicado na França em forma de fascículos entre 1827 e 1835. "Mãe Preta" era o nome dado às escravas cujo trabalho era ser amas-de-leite e cuidadoras dos filhos dos senhores brancos na época da escravidão, em detrimento aos cuidados dos seus próprios filhos. 

A busca pela imagem original tornou-se o mote da pesquisa. As artistas reinterpretaram a pintura desta mãe negra com fotografias, video e uma instalação site-specific. No trabalho, as artistas retratam um modelo masculino e simulam as vestimentas e a pose da mãe ou ama na imagem encontrada na porta da galeria como forma de pôr em questão a representação da figura materna na época da escravidão em relação a questões atuais sobre etnia, sexualidade e gênero.

Em 2016, foram convidadas por Marco Antonio Teobaldo, curador da Galeria Pretos Novos de Arte Contemporânea localizada no Instituto de Pesquisa e Memórias Pretos Novos, na zona portuária do Rio de Janeiro, para desenvolverem uma exposição a partir da questão local: um campo santo onde milhares de africanos escravizados e mortos logo após o desembarque no Cais do Valongo, foram jogados à flor da terra, sem um enterro digno e que respeitasse seus rituais de morte. Foram consultados diversos arquivos, entre eles o Instituto Moreira Salles (coleção Gilberto Ferrez) e a Editora Ermakoff, que nos forneceram acesso a imagens que serviram de base para diversas obras, como Modos de Olhar e Modos de Revelar

Em 2017, a exposição itinerou para Belo Horizonte, no Palácio das Artes, para a qual foram adicionadas novas obras, segundo a metodologia de trabalho das artistas de sempre relacionar o local expositivo ou a região da exposição com o tema do projeto. Ali nasceu a série Modos de Reportar, que trava um diálogo da representação da maternidade com a imprensa local, especificamente na questão dos anúncios por amas-de-leite presentes nas páginas de anúncios classificados em jornais desde o início do século 19 no triângulo mineiro, mantendo-se constante até a abolição da escravatura em 1888. A maior parte da pesquisa foi feita na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

Em 2018, a exposição viajou para São Paulo e São Luiz do Maranhão por conta do edital Funarte Conexão Circulacão Artes Visuais. Em São Paulo, nos aprofundamos novamente na memória urbana da escravidão através da história do Monumento Mãe Preta, ergudo em 1954 no Largo do Paissandu na região central da cidade seguindo a demanda de movimentos da sociedade civil para a memorialização da escravidão. No entanto, a ideia no monumento já havia sido pautada e desenvolvida pela imprensa negra em São Paulo nos anos 20, paralelamente às vanguardas modernistas que, inclusive, apoiavam a iniciativa. A ideia de criar um monumento à mãe preta como símbolo da importância da raça negra na história brasileira incluía a decretação de feriado municipal todo dia 28 de setembro, em memória à data da promulgação da Lei do Ventre Livre em 1871. De acordo com a nossa pesquisa dentro de vários jornais da imprensa negra da época, a notícia de memorialização do papel fundamental da mulher negra na sociedade foi elogiada pelos mais ilustres pensadores e ativistas norte-americanos como medida progressiva e humanista, lembrando que naquela altura nos Estados Unidos, os movimentos negros estavam igualmente começando a articularem-se resultando no movimento de direitos civis americano.

No Maranhão, deixamos os arquivos de lado e nos adentramos dentro das comunidades quilombolas e as parteiras da encantaria, prática ancestral de matriz africana na região. Através de visita ao quilombo de Santa Rosa dos Pretos  a 100km de São Luiz, entramos em contato com diversas lideranças femininas dessa comunidade e pesquisamos a questão de maternidade expandida que tem suas raízes nos quilombos, que, segundo a historiadora e anrolpóloga feminista Beatriz do Nascimento, representam a história e a organização social e política da população negra segundo o seu passado livre. Se o foco no Rio de Janeiro era o aprisionamento da mãe negra em função do aleitamento da sociedade colonial, no Maranhão a questão da maternidade negra em um campo expandido que não se restringe nem á questão genética nem á questão familiar, mas se remete a uma questão espiritual e sobretudo política. A obra Modos de Encantar mostra a importância do tambor de Mina para as lideranças femininas e retrata um grupo extenso de parteiras encantadas.

Pesquisa online

Todo o processo de pesquisa, iniciada em 2015, com anotações, links de matérias, bibliografia, pesquisa iconográfica e expositiva está em processo, constituindo assim um pequeno atlas afetivo de referências.

Veja a pesquisa

Artigo

O Artigo "Permission to Remember: The Wonderful Harbor and the Tourism of Pain" foi escrito por Isabel Löfgren e publicado na revista cultural sueca Hjärnstorm em fevereiro de 2016.

Ler o artigo

Imagens de Referência

Pesquisa sobre a imagem "Negras no Rio de Janeiro" de Rugendas para a exposição Crossover (2015)

Anúncios de amas de leite em jornais de época

Colaboração com o Instituto Moreira Salles (2016)