Obras
Modos de Reportar
Modos de Reportar
Impressões fotográficas, objectos
2016 - 2018
Desde o início do século 19, a imprensa era prolífera e a vida das cidades coloniais encontra-se bem documentada e acessível em arquivos de acesso público. Entre anúncios de chegadas de navios, folhetins e notícias da coroa portuguesa, encontram-se também dezenas de classificados anunciando toda sorte de serviços, propriedades, escravos fugidos, venda de escravizados, e, inclusive anúncios de amas-de-leite para aluguel.
Sendo o leite negro o alimento mais precioso para a primeira vida da colônia, este era disputado entre as famílias brancas. No entanto, quem cuidava dos filhos das amas de leite, posto que para obter leite materno era necessário gerar uma vida?
Ainda não há pesquisa que possa nos afirmar com certeza o paradeiro de muitos filhos de mulheres escravizadas. No entanto, existem, nos jornais da época, relatos sobre orfanatos que existiam na cidade, com crianças que eram depostas na roda dos enjeitado, uma espécie de portinhola na frente das igrejas, onde eram depositados os bebês não desejados, entre eles filhos bastardos e também filhos de escravos. Estas crianças são referidas nos artigos como "os expostos". Os orfanatos eram lugares de extrema miséria, eles também necessitando de cuidados de leite materno para conter a altíssima mortalidade infantil na época, segundo artigos sobre a necessidade de construção de diversos orfanatos nas cidades. Uma página do Jornal do Commercio no Rio de Janeiro, de 2 de dezembro de 1838, reproduzida nesta obra , vem acompanhada de uma lupa para leitura mais próxima, relata a construção de um novo orfanato no Rio de Janeiro visando melhores condições de sobrevivência aos recém-nascidos indesejados da colônia, com números e relatos que dão uma boa idéia da condição de vida dos mais pobres nesta época.
Nesta obra encontram-se igualmente artigos escritos por militantes do movimento abolicionista na década de 1880, sabidamente constituído de grandes intelectuais, políticos e escritores na época, clamando pelos direitos humanos das amas-de-leite em uma linguagem que ressoa nos debates sobre direitos humanos no Brasil do século 21.
Lupas, guias de orixás, lentes de vidro, e outros objetos são pousados sobre as páginas contendo os artigos e anúncios, simulando o olhar crítico sobre estes artefatos que revelam toda a lógica social e política de uma época que, mesmo já passada, teima em se manifestar de diversas maneiras ainda hoje. As guias das orixás são uma forma de sacralizar o que nos jornais percebemos como uma profanação dos corpos das negras lactantes que, através da necropolítica, eram desumanizadas nessa condição. A proteção das orixás, ao nosso ver, lhes confere a ancestralidade de sua existência.
As peças são montadas em mesas, com os objetos posicionados de forma a criar uma composição de elementos geométricos ressaltando os textos e direcionando o olhar de um elemento ao outro, relembrando uma abstração geométrica feita com objetos comuns.